O País não faz bom uso da sua infraestrutura
David Neeleman, da Azul, acredita ser fácil promover a expansão dos aeroportos existentes no Brasil.
David Neeleman, 50 anos, fundador da JetBlue nos Estados Unidos e da Azul no Brasil, vive na ponte-aérea São Paulo-Nova York. Filho de missionários mórmons, o empreendedor dos ares vai e volta dos EUA toda semana. Curiosamente, sempre "encrachatado". Ele é visto semanalmente em voos de suas concorrentes TAM ou American Airlines portando a identificação. Conhecido pelos tripulantes que operam a rota - da aeromoça aos pilotos -, sequer durante a noite de sono, na classe executiva, ele abandona o crachá.
Ao chegar para o almoço com esta colunista, no restaurante Sallvattore, o crachá continua à mostra. Por que o executivo não desgruda do acessório de plástico? "Eu gosto", limita-se a responder o empresário.
Famoso por seu déficit de atenção e português fortemente afetado pelo sotaque americano, Neeleman conta que nasceu e viveu no Brasil até os cinco anos de idade. Depois, seguindo os passos do pai mórmon, voltou para cá aos 19 anos, atuando como missionário no Nordeste. Tarefa que durou dois anos.
Fruto de um investimento de US$ 200 milhões, a Azul é a quarta empresa aérea de Neeleman. E é com ela - hoje com dois anos e meio de existência - que o empresário pretende ficar. "Estou com 50 anos e este será meu último empreendimento", anuncia. E mais: diz que a Azul já opera no azul.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Existe uma discussão gigantesca sobre os aeroportos no Brasil. Qual é a sua opinião sobre a atual estrutura aeroportuária brasileira?
Antes de começar com a Azul, estudei os aeroportos do Brasil e cheguei à conclusão de que o País não faz bom uso do que tem. Por causa dos outros aeroportos é que Congonhas está superlotado. Mas ainda há espaço ali para expandir, criar novos terminais e novos pátios. Quando se promove expansão em aeroportos nos EUA, a coisa é complicada. Aqui, não, porque tem espaço. O alargamento feito na Marginal Tietê é mil vezes mais difícil do que ampliar terminais aéreos.
O que emperra o processo?
Olha, não sou a favor de privatizar os aeroportos. Seria um processo muito demorado, com muitas brigas. A Infraero tem condições de fazer isso. Tem muita gente boa lá dentro. É só dar transparência ao processo e chamar pessoas de fora do Brasil para ajudar. Existem especialistas no mundo inteiro. Poderíamos ampliar o Conselho de Administração da Infraero, colocar profissionais experientes e competentes nesse tipo de coisa.
O senhor defende então um novo modelo de gestão?
Sim, temos que desburocratizar a Infraero. A Petrobrás, por exemplo, não segue a lei 8666, que engessa processos. Por que não fazer o mesmo com a Infraero, dando agilidade para a estatal? Acredito até que seja possível ter mais um terminal em Congonhas. Tudo pode ser feito em dois ou três anos. Você precisa montar uma planilha, chamar as empresas que operam este tipo de concessão e preparar a licitação.
Você acha que a Infraero teria recursos para tanto?
Ela pode lançar bonds no mercado. Para mim, é difícil ouvir que é difícil. É algo fácil e que já foi feito muitas vezes no mundo. A solução é simples, entende? Se não tivesse terreno, aí sim seria complicado. Temos um aeroporto em Vitória que já começou e parou faz cinco anos (sorri). Em Goiânia, é exatamente a mesma coisa.
Mas não há urgência no andamento?
Podemos fazer ações temporárias, como montar pátios e construir terminais provisórios. Não podemos é parar com o crescimento. O que falta em Guarulhos é pátio. Se você sabe onde o terminal novo vai ficar, podemos colocar um pátio em frente para ser utilizado provisoriamente. Aconteceu assim com o aeroporto de Long Beach. A Jet Blue (empresa que criou nos EUA) queria entrar, mas não tinha sala de espera. Montamos uma e colocamos 42 voos por dia no aeroporto. Ficamos assim por dez anos. Coisa parecida foi feita em Nova York. Por que não fazer aqui?
Você poderia explicar isso um pouco melhor?
Primeiro, temos que utilizar mais a infraestrutura que já está aí, aumentando o número de posições no estacionamento de aviões. Isto pode ser feito com uma simples pintura, identificando as aeronaves por tamanho. Depois, eu pergunto: por que não dividir os balcões de check-in por mais de uma empresa? Aí entram as instalações provisórias. Elas são parecidas com grandes contêineres metálicos e, em alguns casos, podem até ser adaptadas e usadas como fingers. Sua construção é muito rápida e terão um papel importantíssimo a cumprir na Copa e nas Olimpíadas.
Por que você é contra a privatização dos aeroportos?
Não sou o único a ser contra. O governo também não quer. São Paulo tem dois aeroportos - um na cidade e outro fora. Mas a maioria das capitais brasileiras só tem um aeroporto. Se for privatizado, o gestor poderá cobrar o que quiser. E não existirá concorrência. Nos países onde os aeroportos foram privatizados, como Argentina, México e Inglaterra, não deu certo. São os aeroportos mais caros do mundo. É importante que os custos para as empresas aéreas fiquem baixos porque mais viajantes poderão voar, novos negócios serão gerados e a economia fluirá.
Como é funcionamento do sistema americano?
Não tem nenhum aeroporto importante nos Estados Unidos que seja privatizado. E o governo federal fez uma lei para os aeroportos estaduais e municipais. Todo dinheiro que ganham deve ser reinvestido em benefício do próprio terminal aéreo.
Historicamente, o setor de aviação aérea brasileira sempre foi complicado. Por que você escolheu o Brasil para fazer uma nova companhia?
Eu nasci no Brasil, eu amo o Brasil. Esse é o meu País. Quero fazer a diferença.
A área de aviação é o setor industrial dos mais difíceis. Une a necessidade de se ter capital intensivo, é dependente de concessão, precisa de mão de obra especializadíssima e, como acontece nos hotéis, assento vago é renda perdida. Esse setor apaixona?
Existe uma fotografia tirada aqui no Brasil de quando eu fiz cinco anos. Em cima do meu bolo de aniversário havia uma aeronave. Tenho alma inovadora e oportunidades.
Acha que Congonhas poderia ter mais voos?
Congonhas está trabalhando com 30 operações por hora. Nos Estados Unidos, a média é de 71 operações por hora. Podemos utilizar melhor nossos ativos sem risco de segurança. Precisamos de mais controladores. Acredito que daqui a quatro ou cinco anos, o número de passageiros vai triplicar. E a infraestrutura tem que acompanhar todo esse processo de desenvolvimento.
Sonia Racy - O Estado de S.Paulo
David Neeleman, 50 anos, fundador da JetBlue nos Estados Unidos e da Azul no Brasil, vive na ponte-aérea São Paulo-Nova York. Filho de missionários mórmons, o empreendedor dos ares vai e volta dos EUA toda semana. Curiosamente, sempre "encrachatado". Ele é visto semanalmente em voos de suas concorrentes TAM ou American Airlines portando a identificação. Conhecido pelos tripulantes que operam a rota - da aeromoça aos pilotos -, sequer durante a noite de sono, na classe executiva, ele abandona o crachá.
Ao chegar para o almoço com esta colunista, no restaurante Sallvattore, o crachá continua à mostra. Por que o executivo não desgruda do acessório de plástico? "Eu gosto", limita-se a responder o empresário.
Famoso por seu déficit de atenção e português fortemente afetado pelo sotaque americano, Neeleman conta que nasceu e viveu no Brasil até os cinco anos de idade. Depois, seguindo os passos do pai mórmon, voltou para cá aos 19 anos, atuando como missionário no Nordeste. Tarefa que durou dois anos.
Fruto de um investimento de US$ 200 milhões, a Azul é a quarta empresa aérea de Neeleman. E é com ela - hoje com dois anos e meio de existência - que o empresário pretende ficar. "Estou com 50 anos e este será meu último empreendimento", anuncia. E mais: diz que a Azul já opera no azul.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Existe uma discussão gigantesca sobre os aeroportos no Brasil. Qual é a sua opinião sobre a atual estrutura aeroportuária brasileira?
Antes de começar com a Azul, estudei os aeroportos do Brasil e cheguei à conclusão de que o País não faz bom uso do que tem. Por causa dos outros aeroportos é que Congonhas está superlotado. Mas ainda há espaço ali para expandir, criar novos terminais e novos pátios. Quando se promove expansão em aeroportos nos EUA, a coisa é complicada. Aqui, não, porque tem espaço. O alargamento feito na Marginal Tietê é mil vezes mais difícil do que ampliar terminais aéreos.
O que emperra o processo?
Olha, não sou a favor de privatizar os aeroportos. Seria um processo muito demorado, com muitas brigas. A Infraero tem condições de fazer isso. Tem muita gente boa lá dentro. É só dar transparência ao processo e chamar pessoas de fora do Brasil para ajudar. Existem especialistas no mundo inteiro. Poderíamos ampliar o Conselho de Administração da Infraero, colocar profissionais experientes e competentes nesse tipo de coisa.
O senhor defende então um novo modelo de gestão?
Sim, temos que desburocratizar a Infraero. A Petrobrás, por exemplo, não segue a lei 8666, que engessa processos. Por que não fazer o mesmo com a Infraero, dando agilidade para a estatal? Acredito até que seja possível ter mais um terminal em Congonhas. Tudo pode ser feito em dois ou três anos. Você precisa montar uma planilha, chamar as empresas que operam este tipo de concessão e preparar a licitação.
Você acha que a Infraero teria recursos para tanto?
Ela pode lançar bonds no mercado. Para mim, é difícil ouvir que é difícil. É algo fácil e que já foi feito muitas vezes no mundo. A solução é simples, entende? Se não tivesse terreno, aí sim seria complicado. Temos um aeroporto em Vitória que já começou e parou faz cinco anos (sorri). Em Goiânia, é exatamente a mesma coisa.
Mas não há urgência no andamento?
Podemos fazer ações temporárias, como montar pátios e construir terminais provisórios. Não podemos é parar com o crescimento. O que falta em Guarulhos é pátio. Se você sabe onde o terminal novo vai ficar, podemos colocar um pátio em frente para ser utilizado provisoriamente. Aconteceu assim com o aeroporto de Long Beach. A Jet Blue (empresa que criou nos EUA) queria entrar, mas não tinha sala de espera. Montamos uma e colocamos 42 voos por dia no aeroporto. Ficamos assim por dez anos. Coisa parecida foi feita em Nova York. Por que não fazer aqui?
Você poderia explicar isso um pouco melhor?
Primeiro, temos que utilizar mais a infraestrutura que já está aí, aumentando o número de posições no estacionamento de aviões. Isto pode ser feito com uma simples pintura, identificando as aeronaves por tamanho. Depois, eu pergunto: por que não dividir os balcões de check-in por mais de uma empresa? Aí entram as instalações provisórias. Elas são parecidas com grandes contêineres metálicos e, em alguns casos, podem até ser adaptadas e usadas como fingers. Sua construção é muito rápida e terão um papel importantíssimo a cumprir na Copa e nas Olimpíadas.
Por que você é contra a privatização dos aeroportos?
Não sou o único a ser contra. O governo também não quer. São Paulo tem dois aeroportos - um na cidade e outro fora. Mas a maioria das capitais brasileiras só tem um aeroporto. Se for privatizado, o gestor poderá cobrar o que quiser. E não existirá concorrência. Nos países onde os aeroportos foram privatizados, como Argentina, México e Inglaterra, não deu certo. São os aeroportos mais caros do mundo. É importante que os custos para as empresas aéreas fiquem baixos porque mais viajantes poderão voar, novos negócios serão gerados e a economia fluirá.
Como é funcionamento do sistema americano?
Não tem nenhum aeroporto importante nos Estados Unidos que seja privatizado. E o governo federal fez uma lei para os aeroportos estaduais e municipais. Todo dinheiro que ganham deve ser reinvestido em benefício do próprio terminal aéreo.
Historicamente, o setor de aviação aérea brasileira sempre foi complicado. Por que você escolheu o Brasil para fazer uma nova companhia?
Eu nasci no Brasil, eu amo o Brasil. Esse é o meu País. Quero fazer a diferença.
A área de aviação é o setor industrial dos mais difíceis. Une a necessidade de se ter capital intensivo, é dependente de concessão, precisa de mão de obra especializadíssima e, como acontece nos hotéis, assento vago é renda perdida. Esse setor apaixona?
Existe uma fotografia tirada aqui no Brasil de quando eu fiz cinco anos. Em cima do meu bolo de aniversário havia uma aeronave. Tenho alma inovadora e oportunidades.
Acha que Congonhas poderia ter mais voos?
Congonhas está trabalhando com 30 operações por hora. Nos Estados Unidos, a média é de 71 operações por hora. Podemos utilizar melhor nossos ativos sem risco de segurança. Precisamos de mais controladores. Acredito que daqui a quatro ou cinco anos, o número de passageiros vai triplicar. E a infraestrutura tem que acompanhar todo esse processo de desenvolvimento.
Sonia Racy - O Estado de S.Paulo
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